Descrição para cegos: foto em preto e branco mostra um grupo de 7 trabalhadores rurais atrás de grades que parecem ser de caminhão de transporte de cana de açúcar. |
Por Natan Cavalcante
No
dia 28 de janeiro foi lembrado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.
Ainda nos dias atuais, é possível perceber que a exploração da mão de obra de
seres humanos permanece como uma latente e obscura realidade do Brasil. Mais de
um século depois de instituída a abolição da escravidão (Lei Áurea) [1],
acordo datado de maio de 1888, é fácil constatar que não erradicou-se por
completo essa prática no país.
Hoje,
o trabalho análogo à escravidão não tem a mesma cara de outrora, já que é
legalmente proibido e coibido há, pelo menos, duas décadas; mas, com certeza,
equipara-se em termos de desrespeito e humilhação, tendo o desrespeito à condição
da pessoa humana como marca preservada.
Com
os trabalhos de fiscalização, ao longo de 20 anos contabiliza-se que foram
resgatados mais de 47 mil trabalhadores submetidos a condições degradantes e
jornadas de trabalho cruéis em propriedades rurais e em empresas localizadas
nos centros urbanos.
Em
1995, o Brasil reconheceu a existência e a gravidade do trabalho análogo à
escravidão e implantou medidas estruturais de combate a essa prática, como o
Grupo de Fiscalização Móvel e a adoção de punições administrativas e criminais
a empresas e proprietários de terra flagrados cometendo esse crime. A política
também criou restrições econômicas a cadeias produtivas que desrespeitam o
direito de ir e vir e submetem trabalhadores a condições de trabalho desumanas.
Apesar
dos esforços feitos ao longo desse período, é preciso atentar para retrocessos
que também surgem. É o caso, por exemplo, da medida do Supremo Tribunal Federal
(STF) que, no fim do ano passado, a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras
Imobiliárias (Abrainc), suspendeu, em caráter liminar, a lista publicada desde
2003 pelo Ministério do Trabalho e Emprego com o nome de empregadores flagrados
por submeter trabalhadores a condições degradantes ou análogas à escravidão,
conhecida como “lista suja do trabalho escravo”. Uma das alegações da Abrainc é
que os nomes dos empregados são inscritos na lista sem existência do devido
processo legal, de “forma arbitrária”, ferindo o princípio da presunção da
inocência.
Elementos
como trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes (trabalho sem
dignidade alguma, que põe em risco a saúde e a vida do trabalhador) e jornada exaustiva
(levar o trabalhador ao completo esgotamento dada a intensidade da exploração,
também colocando em risco sua vida) – constituem e definem os traços da
escravidão contemporânea.
Entretanto,
alguns setores no Congresso, em especial a bancada ruralista, buscando apoio de
outros, a exemplo da construção civil, querem caracterizar esse crime somente
quando houver supressão da liberdade, o que apresenta-se como ameaça e
retrocesso aos ganhos no combate ao trabalho escravo.
Apesar
dessa discussão que põe em pauta a redefinição sobre os limites do que vem a
ser o trabalho escravo, o reconhecimento, pelo governo brasileiro, do grave
problema que configura a exploração desse tipo de mão de obra no país, vem por
meio dos efeitos vitoriosos das medidas e políticas de combate a essa prática
Brasil afora. Como a aprovação, em maio do ano passado, da Emenda Constitucional
do Trabalho Escravo (nº81/2014), que determina a expropriação de terras que
mantiverem trabalhadores em regime análogo à escravidão. Emenda que ainda
precisa de regulamentação para que venha a ter efeito prático, mas que
representa, certamente, a reafirmação da nação em combater essa atividade
criminosa.
Nessa
luta, a sociedade também pode fazer sua parte e, diante de uma constatação de
condições como essas, qualquer pessoa pode denunciar ao poder público e ao Ministério
do Trabalho e Emprego: basta discar 100.
[1].
Antes, vieram leis como Euzébio de Queirós (1850), que proibia nova importação
de seres humanos para serem escravizados no Brasil; a Lei do Ventre Livre (1871), que dizia ser livre o filho de
mulher escrava, mas só depois de completados de 21 anos; antes disso permanecia
na fazenda junto com os outros, e mesmo depois disso, pela fata de perspectiva,
era comum que permanecessem no ambiente de escravidão; e a Lei do
Sexagenário (1885), que dava liberdade ao escravo maior de 60 anos, quando a
expectativa de vida de um escravo raramente chegava perto disso.
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