sexta-feira, 13 de março de 2015

Trabalho análogo à escravidão: uma latente realidade

Descrição para cegos: foto em preto e branco mostra um grupo de 7 trabalhadores rurais atrás de grades que parecem ser de caminhão de transporte de cana de açúcar. 

Por Natan Cavalcante

No dia 28 de janeiro foi lembrado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. Ainda nos dias atuais, é possível perceber que a exploração da mão de obra de seres humanos permanece como uma latente e obscura realidade do Brasil. Mais de um século depois de instituída a abolição da escravidão (Lei Áurea) [1], acordo datado de maio de 1888, é fácil constatar que não erradicou-se por completo essa prática no país.
Recorrentemente é encontrado e denunciado um ou outro local onde são mantidas pessoas em condições desumanas submetidas a cargas horárias demasiadamente exaustivas e recebendo quase nada, ou mesmo nada por isso.
Hoje, o trabalho análogo à escravidão não tem a mesma cara de outrora, já que é legalmente proibido e coibido há, pelo menos, duas décadas; mas, com certeza, equipara-se em termos de desrespeito e humilhação, tendo o desrespeito à condição da pessoa humana como marca preservada.
Com os trabalhos de fiscalização, ao longo de 20 anos contabiliza-se que foram resgatados mais de 47 mil trabalhadores submetidos a condições degradantes e jornadas de trabalho cruéis em propriedades rurais e em empresas localizadas nos centros urbanos.
Em 1995, o Brasil reconheceu a existência e a gravidade do trabalho análogo à escravidão e implantou medidas estruturais de combate a essa prática, como o Grupo de Fiscalização Móvel e a adoção de punições administrativas e criminais a empresas e proprietários de terra flagrados cometendo esse crime. A política também criou restrições econômicas a cadeias produtivas que desrespeitam o direito de ir e vir e submetem trabalhadores a condições de trabalho desumanas.
Apesar dos esforços feitos ao longo desse período, é preciso atentar para retrocessos que também surgem. É o caso, por exemplo, da medida do Supremo Tribunal Federal (STF) que, no fim do ano passado, a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), suspendeu, em caráter liminar, a lista publicada desde 2003 pelo Ministério do Trabalho e Emprego com o nome de empregadores flagrados por submeter trabalhadores a condições degradantes ou análogas à escravidão, conhecida como “lista suja do trabalho escravo”. Uma das alegações da Abrainc é que os nomes dos empregados são inscritos na lista sem existência do devido processo legal, de “forma arbitrária”, ferindo o princípio da presunção da inocência.
Elementos como trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes (trabalho sem dignidade alguma, que põe em risco a saúde e a vida do trabalhador) e jornada exaustiva (levar o trabalhador ao completo esgotamento dada a intensidade da exploração, também colocando em risco sua vida) – constituem e definem os traços da escravidão contemporânea.
Entretanto, alguns setores no Congresso, em especial a bancada ruralista, buscando apoio de outros, a exemplo da construção civil, querem caracterizar esse crime somente quando houver supressão da liberdade, o que apresenta-se como ameaça e retrocesso aos ganhos no combate ao trabalho escravo.
Apesar dessa discussão que põe em pauta a redefinição sobre os limites do que vem a ser o trabalho escravo, o reconhecimento, pelo governo brasileiro, do grave problema que configura a exploração desse tipo de mão de obra no país, vem por meio dos efeitos vitoriosos das medidas e políticas de combate a essa prática Brasil afora. Como a aprovação, em maio do ano passado, da Emenda Constitucional do Trabalho Escravo (nº81/2014), que determina a expropriação de terras que mantiverem trabalhadores em regime análogo à escravidão. Emenda que ainda precisa de regulamentação para que venha a ter efeito prático, mas que representa, certamente, a reafirmação da nação em combater essa atividade criminosa.
Nessa luta, a sociedade também pode fazer sua parte e, diante de uma constatação de condições como essas, qualquer pessoa pode denunciar ao poder público e ao Ministério do Trabalho e Emprego: basta discar 100.



[1]. Antes, vieram leis como Euzébio de Queirós (1850), que proibia nova importação de seres humanos para serem escravizados no Brasil; a Lei do Ventre Livre (1871), que dizia ser livre o filho de mulher escrava, mas só depois de completados de 21 anos; antes disso permanecia na fazenda junto com os outros, e mesmo depois disso, pela fata de perspectiva, era comum que permanecessem no ambiente de escravidão; e a Lei do Sexagenário (1885), que dava liberdade ao escravo maior de 60 anos, quando a expectativa de vida de um escravo raramente chegava perto disso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário será publicado em breve.