quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Circuito fechado

Descrição para cegos: foto de uma ampulheta em cima de um jornal.

Lucélia Pereira

Desculpe-me, depois ligo pra você. Esqueci meu nome. Devo tê-lo deixado anotado em alguma lista das minhas tarefas do dia. A vida é curta e eu não sabia. Depois das obrigações, reuniões, repartições e negociações de trabalho, vou contar quantos minutos me sobram pra viver de verdade. 
Hoje parece que não vai dar tempo de sorrir. O relógio de pulso me avisa que hoje não dá. Talvez amanhã, se ele me deixar, ou se houver um tempo em minha agenda.
É da empresa privada o meu tempo, meu nome, minhas mãos, minha energia, disposição, dedicação e alguns longos anos da minha vida quase inteira. Não me interessa ser o funcionário do mês e eu já nem sei porque estou nesse sistema mecânico. Eu também queria ir embora, fazer uma greve ou rebelião, subverter o padrão, mas hoje não vai dar.


Em meio ao caos da labuta eu já até esqueci qual é minha luta. E também quero gritar, mas hoje não dá. Nem amanhã, quando vou de novo acordar às cinco. Nem depois. Nem depois do depois que eu planejei.
E eu esperei ser quinta-feira pra lembrar de tudo isso e enquanto penso isso, espero um ônibus e uma nova chance. A vida não me espera.
Trânsito lento. Tempo veloz. Minha vida em conta-gotas. Todo o resto é rotina. Hoje talvez me sobrem alguns minutos pra viver de verdade. Ou vou ter que esperar outro dia.  

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