Descrição para cegos:
foto de uma ampulheta em cima de um jornal.
|
Lucélia Pereira
Desculpe-me, depois ligo pra você. Esqueci meu
nome. Devo tê-lo deixado anotado em alguma lista das minhas tarefas do dia. A
vida é curta e eu não sabia. Depois das obrigações, reuniões, repartições e
negociações de trabalho, vou contar quantos minutos me sobram pra viver de
verdade.
Hoje parece que não vai dar tempo de sorrir. O
relógio de pulso me avisa que hoje não dá. Talvez amanhã, se ele me deixar, ou
se houver um tempo em minha agenda.
É da empresa privada o meu tempo, meu nome,
minhas mãos, minha energia, disposição, dedicação e alguns longos anos da minha
vida quase inteira. Não me interessa ser o funcionário do mês e eu já nem sei
porque estou nesse sistema mecânico. Eu também queria ir embora, fazer uma
greve ou rebelião, subverter o padrão, mas hoje não vai dar.
Em meio ao caos da labuta eu já até esqueci qual é minha
luta. E também quero gritar, mas hoje não dá. Nem amanhã, quando vou de novo
acordar às cinco. Nem depois. Nem depois do depois que eu planejei.
E eu esperei ser quinta-feira pra lembrar de tudo
isso e enquanto penso isso, espero um ônibus e uma nova chance. A vida não me
espera.
Trânsito lento. Tempo veloz. Minha vida em
conta-gotas. Todo o resto é rotina. Hoje talvez me sobrem alguns minutos pra
viver de verdade. Ou vou ter que esperar outro dia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Seu comentário será publicado em breve.